A expressão "amou demais" parece que espanta. Há quem pergunte: "Pode-se amar de menos?". Eu própria convenho que não. Ninguém ama de menos. Sempre se "ama demais". Isto, dito assim, pode parecer meio vago, meio nebuloso. Digo "ama demais" atendendo a que todo o amor, seja ele qual for, excede, de muito, todos os limites, todas as medidas. De fato, não há uma medida para o amor. Não se sabe onde ele começa e onde acaba. Qualquer outro sentimento pode ser medido, inclusive o próprio ódio. Não o amor. Imaginemos uma amorosa. Se ela tem consciência de um limite, qualquer que seja ele, do seu amor, é porque não ama. Na vida sentimental da criatura, existem umas poucas verdades eternas. Umas dessas verdades é a seguinte: "Pouco amor não é amor". Sim, não há possibilidade de meio-termo. Ou muito ou nada.
Este trecho faz parte da introdução ao romance A mulher que amou demais de Nelson Rodrigues, sob o pseudônimo de Myrna.
A mulher que amou demais foi publicado
no formato de folhetim¹ no ano de 1949. Sob o pseudônimo de Myrna, Nelson Rodrigues escrevia uma
coluna de “aconselhamentos amorosos”
para o Diário da Noite, na
qual respondia a cartas de suas leitoras. Passou então, a partir de julho de
1949, a publicar um a um os capítulos dessa obra que, em 2003, foi publicada no
formato de romance pela Companhia das Letras.
Este romance conta a história de
Lúcia, uma mulher com uma beleza extraordinária na véspera de seu casamento.
Seu noivo é Paulo, um homem de bom caráter e querido por todos da família. O
tempo da narrativa do romance é a de um dia, o da véspera do casamento. Ao
caminhar pela rua para se encontrar com seu noivo Paulo, Lúcia tem um encontro
inesperado com um misterioso homem que lhe imprime um estranho sentimento de
paixão. Lúcia se vê repentinamente apaixonada por esse homem misterioso chamado
Carlos que, para sua infelicidade, ela descobre ser irmão de Paulo.
Os conflitos da história começam
quando Lúcia resolve cancelar o casamento na véspera. A protagonista se
encontra no meio de uma antiga intriga entre os irmãos que pode ter um desfecho
desastroso.
Ao
analisar a obra completa de Nelson Rodrigues, vê-se claramente que o seu gênero
principal não é o romance. Nelson é conhecido nacionalmente pelas suas peças
teatrais, as famosas tragédias cariocas, e até mesmo pelas crônicas esportivas.
E quando falamos dA mulher que amou
demais, analisando os aspectos da narrativa, poderíamos afirmar que a obra
está mais próxima de uma novela do que de um romance. Isso se dá pela maneira
como foi escrito e publicado, os capítulos saindo semanalmente em um folhetim.
Além disso, a obra está cheia de aspectos característicos da tragédia grega, ou
no caso de Nelson Rodrigues, da tragédia carioca. Esses aspectos se unem na
narrativa contemporânea, unido, assim, o clássico e o popular. A linguagem do
livro é excessivamente exagerada, as personagens são estereotipadas. Lúcia é a
mulher perfeita, de incrível beleza; Paulo é o noivo ideal; Carlos é o perfeito
sedutor. Tudo isso agregado à própria narrativa que descreve não só as
personagens mas também os fatos como extraordinários. Recorto um trecho da obra
para ilustrar isso: “Foi neste momento que aconteceu o inesperado. Digo
“aconteceu o inesperado”, como poderia dizer “aconteceu o maravilhoso, o
mágico, o inverossímil, o absurdo””. É interessante ver como os fatos acontecem
quase como se o destino os impusesse, como se as personagens não pudessem
escapar daquilo. Essa é uma das características da obra.
Por
ser um livro rápido, não chega a ser cansativo. Apesar de todo o tempo da
narrativa acontecer quase inteiramente no dia da véspera do casamento, a
agilidade dos fatos dá um ótimo ritmo de leitura e acabam por envolver o
leitor. Recomendo a obra para os amantes da tragédia carioca, e da obra de
Nelson Rodrigues em geral.
¹ O folhetim é uma narrativa literária,
seriada dentro dos gêneros prosa de ficção e romance. Possui
duas características essenciais: quanto ao formato, é publicada de forma
parcial e sequenciada em periódicos (jornais e revistas); quanto ao
conteúdo, apresenta narrativa ágil, profusão de eventos e ganchos
intencionalmente voltados para prender a atenção do leitor.
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Nelson Rodrigues nasceu em 23 de
Agosto de 1912, em Recife. É conhecido por ter sido um grande jornalista e
escritor. Suas principais obras são peças de teatro, o que o fez ser
considerado como um dos maiores dramaturgos do Brasil. Entre suas principais
peças estão A mulher sem pecado e Vestido de noiva. Leia mais aqui.
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