Mentirosos - E. Lockhart

Título: Mentirosos
Autora: E. Lockhart
Editora: Seguinte


Cadence vem de uma família rica, chefiada por um patriarca que possui uma ilha particular no Cabo Cod, onde a família toda passa o verão. Cadence, seus primos Johnny e Mirren e o amigo Gat (os quatro "Mentirosos") são inseparáveis desde os oito anos. Durante o verão de seus quinze anos, porém, Cadence sofre um misterioso acidente. Ela passa os próximos dois anos em um período conturbado, com amnésia, fortes dores de cabeça e muitos analgésicos, tentando juntar as lembranças sobre o que aconteceu.

Na visita à Companhia das Letras, comentaram sobre esse livro. Lembro que a editora falou claramente: "Não leiam nada a respeito do livro, nem a sinopse. Quanto menos você souber, mais irá aproveitar a história." Ganhei a prova no encontro de blogueiros da Bienal e decidi começar a ler depois do TCC. Agora estou aqui sem saber por onde começar a escrever essa resenha, o que falar e como abordar o que acontece no livro. Então, antes de mais nada, já adianto que não vou falar sobre o enredo, pra que você tenha a mesma experiência que eu.

Se eu tivesse que definir Mentirosos em uma palavra, ela seria PERTURBADOR. Assim que terminei, falei que não gostei. Havia milhões de interrogações pairando sobre a minha cabeça, um sentimento de incapacidade por não ter entendido tudo somado à sensação de frustração por ter deixado passar algum detalhe importante. Resolvi dar um tempo pra digerir todo aquele embrulho no meu estômago. Fui distrair a mente, mas não consegui parar de pensar na história. Comecei a pensar, relembrar algumas partes "estranhas", encaixar as peças... e de repente percebi que tudo estava completo, fechado, redondo desde o início. O que a princípio parecia fora do lugar fazia todo o sentido, mas como não percebi antes?

Cadence, personagem sobre a qual se desenvolve todo o enredo, é a narradora e por vezes se torna um pouco chata, mas depois até mesmo isso é justificado. Cady se expressa de forma brilhante, com metáforas sensacionais que por vezes achei que eram reais. Ela fala como se a comparação fosse de verdade, e depois volta a narrar normalmente. No meio dos seus relatos, ela insere contos de sua autoria, que expõem a realidade de sua família ao mesmo tempo que conversam com textos já conhecidos, como contos de fadas e Rei Lear. Aliás, o livro tem bastante inspiração nessa tragédia de Shakespeare, especialmente na composição dos personagens.

Eu era loira, mas meu cabelo agora está preto.
Eu era forte, mas agora sou fraca.
Eu era bonita, mas agora pareço oente.
É verdade que aguento terríveis enxaquecas desde o acidente.
É verdade que não aguento idiotas.
Gosto de distorcer significados. Percebe? Aguentar enxaquecas. Não aguentar idiotas. A palavra significa quase a mesma coisa nas duas frases, só que não.

Normalmente prefiro narrações em 3ª pessoa, mas desta vez preciso dar o braço a torcer. Colocar o foco sobre Cadence deu todo o ar de mistério à trama, nos fazendo enxergar sob sua ótica e buscar respostas junto com ela. Consegui entender e sentir toda sua angústia e confusão acompanhando-a ao longo das páginas.

Alguns temas são fortemente discutidos, suscitando reflexões por parte dela e de nós, leitores. A questão racial aparece de maneira sutil, mas com importância pro desenrolar da história. O impasse dinheiro x felicidade é um fio condutor da relação pais e filhos, nas 3 gerações apresentadas. Mas o que mais marca os Sinclair é a preocupação constante e exagerada, passada de geração em geração, de manter o status de família perfeita. O que é preciso sacrificar para manter as aparências? O que vale mais, os relacionamentos ou os bens?

- Você entente, Cady? O silêncio é uma camada protetora sobre a dor.

O livro é dividido em 4 partes, e desde o começo eu já fiquei instigada a ler mais para descobrir o mistério. No começo da parte 3 eu dei uma travada, pois é a parte em que Lockhart começa a tecer o desenvolvimento e soltar as pistas pra resolução do caso, que só lá na frente serão descobertas. Depois que superei esse pedaço, consegui evoluir num bom ritmo até o final.

Há recursos de extrema ajuda durante a leitura: um mapa da ilha e a árvore genealógica da família. Como sou péssima de nomes, eu sempre voltava ao começo para saber quem era a mãe ou em qual casa morava. A princípio a quantidade de personagens (e seus nomes não muito comuns aos meus ouvidos) me deixou perdida, mas depois me familiriazei com os Sinclair.

A história termina sem te dar todas as respostas. Você precisa entender sozinho e dar a sua própria interpretação aos fatos, aos motivos e até mesmo ao título. Pensando nisso, a editora já anunciou que irá criar um hotsite especial para quem já leu o livro poder discutir sobre ele. Eu só tive 2 amigos pra conversar, mas em breve essa aflição pós-leitura poderá ser compartilhada com vários outros leitores. E, cá entre nós, adoro essa troca de interpretações, saber que as mesmas palavras foram lidas por diferentes pessoas gerando múltiplas visões.

- Sempre faça aquilo que teme - eu digo. - Esse é o meu (lema).

Como li uma prova, não posso avaliar capa, revisão e diagramação, mas mesmo assim adianto que há poucos erros, então a versão final deve sair bem legal. Essa capa que coloquei junto com a sinopse é a que está no Skoob, mas preferi mil vezes a original. O lançamento está previsto para o início de outubro.

Sei que meu relato passou uma impressão de volubilidade, mas prefiro dar um passo atrás e admitir meu julgamento precipitado a manter a venda nos olhos e não compreender a genialidade presente em Mentirosos. Leia, reflita, não se apresse. E depois venha conversar comigo, vou adorar saber o seu ponto de vista.