{ palavra de peso } Mais Espaço para Amar


Ela entrou no box com lágrimas nos olhos. Preocupara-se apenas em tirar as sandálias novas, compradas especialmente para aquela ocasião. Deixou seu vestido de renda ser encharcado com a água do chuveiro misturada às suas lágrimas. Desabou ajoelhada no chão do banheiro, chorando incontrolavelmente. De novo! Por que toda vez era sempre a mesma coisa? Apaixonava-se por um cara, conquistava sua confiança, tornava-se a melhor amiga... pra nada! No final, os centímetros a mais em sua circunferência serviam como o mais poderoso repelente masculino. Depois de oito – sim, ela contava – discursos "você é linda; o problema não é você, sou eu", estava mais do que claro que ela era a problemática da história.

Ficou longos minutos deixando a água escorrer pelo seu corpo avantajado. Tinha consciência de que o penteado estava arruinado e a maquiagem formava um rio negro por seu rosto. Negro como seu estado de espírito. Negro como seu último amor. Sofria por não ter percebido os sinais. Sofria por não aceitar mais aquela derrota. Sofria por mais uma vez ter se enganado.

Levantou-se, tirou o vestido, limpou o rosto e olhou para o seu corpo. Suas curvas eram avantajadas, seus seios há muito sofriam a influência da gravidade, sua pele continha linhas esbranquiçadas tal qual um mapa. Tentara todas as dietas possíveis, comprara todos os produtos que prometiam emagrecimento, perdera a conta de quantas vezes matriculou-se na academia. Usara cintas redutoras, comprara sutiãs modeladores, investira em bolsas e sapatos – fiéis companheiros dos seus variados manequins quarenta e algum número par. Mas nada deu certo. Voltou a chorar, percebendo o quanto fora tola todo esse tempo. Seus vinte e alguns anos foram marcados pelo efeito sanfona: conseguia recordar claramente as poucas vezes em que conseguiu vestir roupas encontradas em lojas “comuns”, sem ter que recorrer à seção especial. E o xenhenhém da sanfona acompanhava seu estado de humor oscilante: só sentia-se feliz quando a balançava acusava um número menor que a vez anterior.

Subitamente, começou a cantar. Em seu repertório estavam as mais belas músicas de amor que conhecia. Não fez nada além de entoar sua voz, não tão melodiosa assim, empunhando um frasco de shampoo. Sentiu-se uma estrela. Imaginou-se no palco, cantando para uma plateia enorme. Mas, quando tentava focar os rostos dos seus fãs, só conseguia ver as próprias feições. Em várias roupas, em vários estilos, em várias poses. Ela era expectadora de si mesma. Ela estava encantando e sendo aplaudida – se aplaudindo.

Naquele momento, compreendeu que o problema realmente estava nela. Seus futuros-possíveis-namorados eram a desculpa que usava pra não ser feliz. Ela depositara sua felicidade nas mãos erradas – com tanto espaço em seu corpo, quis colocá-la no corpo de outra pessoa. E deu errado. Demorou, mas finalmente conseguia enxergar a realidade.

E o que era real? Sua beleza, sua simpatia, sua companhia agradável. Correu pela casa até o quarto, onde tinha um espelho de corpo inteiro. Molhou tudo pelo caminho, mas nem se importou; quase escorregou, mas, ao invés de reclamar, começou a rir da sua estabanação. E, quando chegou ao seu destino, gostou do que o espelho refletia. Ela era linda, só não tinha percebido ainda. Mas nunca é tarde pra recomeçar, concorda?

Com um sorriso radiante, secou-se, colocou uma calça jeans skinny que marcava sua panturrilha de fazer inveja a qualquer magricela, vestiu uma blusa com decote V, calçou sua sapatilha de pedrinhas, fez aquela maquiagem e saiu de casa. Dirigiu sem rumo. Quando se deu conta, estava na beira da praia. Andou pela areia sem pressa. Sentou, admirou a lua e as estrelas, deixou hipnotizar-se pelo barulho e vaivém das ondas. Pela primeira vez em muito tempo – arriscaria até a dizer na vida – sentia-se plenamente feliz.

Naquele momento de reflexão, tomou várias decisões importantes. Prometeu cuidar mais da sua saúde e, consequentemente, da sua estética. Jurou não apaixonar-se tão cedo. Mal sabia ela que, na semana seguinte, o grande amor da sua vida cruzaria a porta do seu escritório. E ela poderia entregar-se ao amor, já que aprendera a se amar.

Linda. Gorda. Feliz.

Palavra de Peso é uma coluna que surgiu para o extinto site Mulheres que Comandam. Sempre fui gordinha, já passei por diferentes fases de aceitação, já fiz várias dietas. Até que resolvi tentar me aceitar, e começou a dar certo. Mesmo emagrecendo, sempre terei "alma de gordinha". Nesses pequenos textos, vou tratar de situações comuns, de dramas e tristezas, do mundo plus size. Não sou escritora nem tenho tal pretensão. Encarem os textos como uma terapia. E divirtam-se com Ela, nossa personagem de curvas maravilhosas.

18 comentários

  1. Parabéns pelo texto, lindo , divertido e sensível, amei

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  2. Achei bastante interessante o texto.
    O texto me pareceu bastante envolvente e sensível, estou esperando mais textos criativos. 8)

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  3. Adorei, amiga!
    Arrasou!!! Me recordo de alguns trechos do texto, acho que cheguei a ler no Mulheres que Comandam.
    Parabéns!

    Beijinhos!

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  4. Tem horas que temos que aprender a lidar com algumas situações da vida
    e a vida nos ensina muitas coisas
    melhor mesmo é fazer assim como foi feito se erguer
    e se amar, ótimo texto

    Linda Noite
    beijokas da Nanda

    Mamãe de Duas
    Google+Nanda

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  5. Giu, arrasou!!!

    Me identifiquei com Ela, a personagem de curvas maravilhosas. Desde pequena sou gordinha e isso vem de família. Confesso que lidei muito bem com o bullying, mas as vezes chorava escondido por causa disso. Cansei de contar quantos caras eu "perdi" para as amigas magras. Mas fiz amizades maravilhosas, não posso negar. Estou em um pequeno processo de enxugar, porque ando perdendo muitas roupas e o bolso está pesando. Então achei melhor tentar novamente a enxugar algumas das curvas maravilhosas. Adorei o seu texto, mal posso esperar pelo próximo. Você escreve muito bem!!! Parabéns!!

    Beijos, Rob
    http://estantedarob.blogspot.com.br/

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  6. Giulia,
    Você escreve super bem! A crônica ficou incrível!
    Eu me vi na personagem em vários momentos.
    Gostei da forma como você a fez perceber que ela era linda do jeito dela, mas claro que também tem que cuidar do corpo, não só pela estética, mas pela saúde.
    Muito bom!
    bjs

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  7. Você soube escrever muito bem, teve sensibilidade e muito carinho ao escrever, eu amei.
    Uma voz calma e branda rs, respostas claras. Amei te conhecer um pouquinho.
    Beijos
    Luh
    Blog Sempre Belas | Facebook | Instagram |

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  8. Ótimo texto. Se conhecer, se respeitar, se amar são pontos importantes para viver melhor, né? E decisões tomadas no impulso gerado por uma momento de desconforto, raiva, tristeza não deve ser consideradas, devem ser refletidas.
    Bjús
    http://quadrofeminino.com/

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  9. Olá Giu, adorei o texto muito bem escrito e com uma linda mensagem *--*

    Visite o blog "Meu Mundo, Meu Estilo"

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  10. Giu, adorei!! Sem a gente se amar não tem mesmo como conseguir entrar num relacionamento. Não sabia que você escrevia (apesar de ter dito que não é escritora nem tem essa pretensão). Estou achando o máximo descobrir seus talentos! hehe... (há pouco tempo descobri aqui mesmo que você cantava!)

    Beijo!

    Ju
    Entre Palcos e Livros

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  11. Linda mensagem! As pessoas devem se amar do jeito que são e sempre se respeitar sem se importar com o que os outros pensam.

    Beijos

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  12. Oi, Giulia!!!

    EU sempre acredito que temos que nos amar antes de tudo, se não o fizermos, quem o fará, não é mesmo?
    Estar de bem consigo mesma sempre, esse é o segredo!!!
    Parabéns pelo lindo texto, adorei!
    beijos!

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  13. Oi Giu, sua linda, tudo bem?
    Quando li que ela estava triste e até arrasada por pensar que o problema era dela, eu fiquei de coração apertado. Eu acredito que o conceito de felicidade que a sociedade tenta nos impor, não deve ser o nosso conceito de felicidade. Ela tem que se amar do jeito que é, e buscar a felicidade verdadeira, a dela, não a dos outros. E se ao se olhar, quiser mudar algo, tem que ser por ela e não por eles. Adorei o final, pois acredito de coração nele. Todos os homens que passaram por ela, não ficaram, pois nenhum deles era o homem da vida dela. Esse que ela irá conhecer será.
    Linda a mensagem!!!!
    Beijinhos.
    Cila.
    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/

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  14. Oi Giulia, um lindo texto, muito bom mesmo. Não acho legal esta neura que as pessoas tem hoje em dia com o peso. Elas devem se preocupar com a saúde em si, não se estão gordas, até porquê, magreza também não é sinal de saúde, e nem todo magro é bonito.
    Bjs, Rose

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  15. Oi Giu... que lindo amei o texto.... me senti dentro dele rsrsrsrs.... Mas assim como a nossa gordinha que aprendeu a se amar... eu também aprendi a duras penas, mas aprendi... hoje eu tenho que emagrecer por causa da saúde, mas não quero muito não... adoro as minhas curvas... e com elas... sou feliz... mas se for ter mais textos como esse eu ficarei honrada de sempre vir aqui ler... me marca... me avisa sempre que postar... por favor.... achei um máximo... Xero!

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  16. Belo texto, Giu.
    Passei por isso há algum tempo, uma insatisfação constante com meu eu, com meu corpo, com as minhas decisões e me culpava por não conseguir obter êxito nas dietas malucas que inventava para ser aceita pelos padrões impostos pela sociedade. Posteriormente, descobri um probleminha na tireóide que provou, não, não era minha culpa, e mesmo que se ele não existisse, não seria. Comecei a aceitar minhas formas com maturidade, e a prezar pela minha sanidade e saúde. No último ano precisei deixar 12kg árduos para trás por ordens médicas, pulei do manequim 46 para o 42, e não invejo nenhum manequim 36. Ainda sou cheia de curvas e as adoro! Quando nos amamos, tudo é suficiente. E o nosso quadril enche uma calça pra magrinha (nada contra) nenhuma botar defeito. Hahahaha.
    Adorei o texto. Adorei a iniciativa.
    http://cantaremverso.wordpress.com

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  17. Hey, Giu!
    Que texto maravilhoso!
    Ainda passo por alguns momentos assim. Ter insatisfação consigo mesmo é algo péssimo e devemos sempre trabalhar melhorar isso.
    Devemos nos amar para sermos amadas, não é?
    Ótima ideia de post, muito bem escrito e trabalhado.

    Beijooos
    Bárbara
    Toca dos Livros
    www.btocadoslivros.com

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