Dois Garotos se Beijando - David Levithan

Título: Dois Garotos se Beijando
Autor(a): David Levithan
Editora: Galera Record
Nº de páginas: 224
Onde comprar: Livraria Cultura | Saraiva
Nota:

Baseado em fatos reais e em parte narrado por uma geração que morreu em decorrência da Aids, o livro segue os passos de Harry e Craig, dois jovens de 17 anos que estão prestes a participar de um desafio: 32 horas se beijando para figurar no Livro dos Recordes. Enquanto tentam cumprir sua meta — e quebrar alguns tabus —, os dois chamam a atenção de outros jovens que também precisam lidar com questões universais como amor, identidade e a sensação de pertencer.

Senta, pega uma xícara de chá/café/chocolate, respira fundo e vem comigo. Se minhas resenhas já são grandes normalmente, acho que a de hoje fica maior ainda. Antes de começar, preciso fazer uma introdução - algo incomum por aqui -, mas vocês têm que entender o que essa leitura foi pra mim. Ganhei o livro por causa do Beijaço Galera, em que os leitores mandaram várias fotos de beijos e as 10 mais votadas ganharam. Não tinha obrigação de ler, já que não era parceria, mas resolvi incluí-lo no Desafio A Fila Precisa Andar, no item "romance homossexual". Ainda assim eu não precisaria resenhar, mas resolvi escrever mesmo correndo o risco de ser mal interpretada - coisas da internet. Se você ainda não sabe, sou cristã protestante (mais conhecido como evangélica), vou dar minha opinião, mas peço que, caso você queira comentar, o faça com respeito. Prometo não excluir nada que for contrário ao que eu penso, mas se tiver agressividade já sabe que não vai rolar. Combinado então? Simbora!

Normalmente eu pego o livro sem conhecer a história, sem ler a sinopse, ainda mais quando já tive uma boa experiência com o autor (Todo Dia foi uma ótima leitura). E foi a mesma coisa com esse. A primeira surpresa veio com a narração: Levithan inovou ao escolher um narrador plural, uma voz única de gays que morreram de AIDS. São como espíritos, seres onipresentes e oniscientes que observam a vida dos homossexuais de hoje. Eles sabem quem são, onde estão, o que pensam e sentem, se a família apoia ou não, etc. São narradores-observadores do presente, contando o que veem/sabem, mas também se tornam narradores-personagens, mesclando suas próprias experiências do passado e falas diretas ao leitor. Uma história contada por quem tem liberdade e intimidade pra falar dos outros, de si e com você. Confuso pra explicar, mas de uma sagacidade ímpar.

Compartilhar a verdade não é o tipo de presente que vem embrulhado em papel colorido, que você rasga uma vez e pronto, acabou. Não, esse é um presente que precisa ser desvendado. Já basta começar a contar. Já basta ter o começo e sentir que é um começo.

Também me surpreendi ao constatar que não tem apenas dois garotos se beijando na história. Aliás, pra falar sobre ela é beeeem complicado, porque já falei isso? rs mais uma vez Levithan foi genial. Harry e Craig, ex-namorados que preferiram terminar porque a amizade era mais importante, são o cerne do livro. Como forma de protesto a Tariq, um amigo que sofreu agressão física simplesmente por ser gay, resolvem quebrar o recorde de beijo mais longo da história. E, pra poderem entrar no livro dos recordes, fazem tudo nos conformes: local público (pátio do colégio), câmeras com transmissão ao vivo, revezamento de professores assistindo. A família de Harry não só sabe como apoia, mas Craig é daqueles "todo mundo sabe, mas ninguém admite".

Assim como Neil. A família sabe que ele tem um relacionamento com Peter além da amizade, mas preferem ignorar, achando que a ignorância não torna o fato verdade. Já Peter é assumido, a família é tranquila em relação a isso, mas teme pelo namorado. Também há outro casal, Ryan e Avery, o menino de cabelo azul que tem abertura pra ser quem é em casa e o menino de cabelo rosa que nasceu menina e teve todo o apoio pra mudar seu corpo com hormônios e cirurgias. Ambos lutam com fantasmas internos de aceitação de suas identidades, apesar de toda o suporte que a família lhes dá. E ainda tem o Copper, um menino que usa a realidade virtual para escapar e camuflar sua homossexualidade, já que é impossível imaginar seus pais aceitando o filho como de fato é.

Oito garotos em fase de descobertas, curiosos com seus corpos e desejos, buscando aceitação própria, da família e da sociedade. Adolescentes que podem estar do nosso lado, deixando transparecer ou se escondendo, com apoio familiar ou com medo das reações pós-descoberta, com amigos homo e hetero ou sem ter com quem contar. Personagens que retratam os problemas comuns da adolescência, ressaltando a dificuldade de se sentir parte do todo quando algo tão subjetivo torna-se um obstáculo quase físico.

Em algum momento essas histórias se cruzam, mas todas giram em torno de como o ato de Harry e Craig pode contribuir pra sociedade como um todo e para suas questões particulares. Dois garotos se beijando publicamente pode transformar algo? Dois garotos se beijando por tanto tempo é uma forma de mostrar ao mundo a liberdade, de afrontar quem não concorda, de provocar discussões? Dois garotos se beijando e sendo noticiados em escala mundial conseguem atrair quantos olhares e mostrar a quantos semelhantes que não precisam se esconder? Dois garotos se beijando é tabu, e Levithan não teve o menor problema em lidar com o assunto.

Este é o poder de um beijo:
Ele não tem o poder de matar você. Mas tem o poder de trazer você à vida.

O livro traz muitas reflexões sobre vida, respeito a si e ao próximo, família, amizade, identidade, aceitação, postura frente à sociedade, amor-próprio. Se eu tivesse que resumir em 1 palavra o assunto do livro, seria amor. A grande maioria das reflexões se encaixam a qualquer "problematização" do amor: raças diferentes, religiões diferentes, classes socias diferentes, sexos iguais, etc. Porque, na verdade, o livro trata de respeito ao sentimento alheio, protesta sutilmente contra a discriminação do diferente, mostra que por trás dos rótulos há um ser humano com sentimentos como eu e você.

Só que é meio óbvio eu dizer que o livro não me tocou profundamente, né? Por mais maravilhosa que seja a narrativa, o conteúdo principal está bastante distante daquilo em que acredito. Há uma diferença entre respeito e concordância, e não tenho como não me posicionar quanto a isso. Sou madura o suficiente pra separar as coisas e de forma alguma minha fé invalida a leitura ou a torna insossa. Mais uma vez eu tiro o chapéu pro autor, o livro é muito bom! Há tempos eu não gastava tanta tag pra marcar quotes, ficou recheadinho.

Lá no finalzinho, há algo como "um dia o evangelho será reescrito", e isso foi uma das coisas que me deixou bem chocada, senti uma invasão, uma tentativa de imposição. Jura que estão querendo mudar aquilo que é imutável? Desculpa a pegada religiosa quase no fim da resenha, mas creio muito na Bíblia, aprendi que "o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras [de Deus] não hão de passar" (Mateus 24:35) e achei um tanto ofensivo dizer que o evangelho será mudado. Se não tivesse esse pedaço, eu consideraria minha experiência de leitura bem melhor do que de fato foi. É como diz o ditado, o meu limite termina onde começa o do outro, e senti que passaram essa linha aí.

Mas, mesmo que tirasse isso, o final não me agradou em cheio. Foi basicamente o mesmo que senti com Todo Dia: história incrível com um final que faltou algo que não sei explicar. Não foi bom nem ruim, simplesmente não foi nada de tão marcante quanto todo o desenvolvimento.

Com tanta coisa, acabou que nem reparei na revisão, e só me atentei à diagramação porque o livro não tem capítulos, no máximo aquelas "linhas" que dividem as partes do texto. Às vezes o foco mudava entre os personagens, mas só havia um parágrafo em branco pra separar, mas de forma alguma ficou confuso. Páginas amareladas, fonte e espaçamento confortáveis e poucas páginas (consequemente pouco peso) contribuem para uma leitura mais agradável. E, quanto à capa, achei totalmente desnecessário o rebuliço que fizeram, tanto que participei do beijaço (a original tinha uma foto), mas prefiro assim porque fica mais poético os rostos formados por palavras significativas, que nos convidam a inúmeras interpretações.

A primeira frase da verdade é sempre a mais difícil. Cada um de nós teve uma primeira frase, e a maioria de nós encontrou forças para proferi-la em voz alta para alguém que merecia ouvir. O que esperávamos e o que descobrimos foi que a segunda frase da verdade é sempre mais fácil do que a primeira, e a terceira é mais fácil ainda. De repente, você está falando a verdade em parágrafos, em páginas. O medo e o nervosismo ainda estão lá, mas uma nova confiança se une a eles. O tempo todo, você usou a primeira frase como fechadura. Mas agora, descobre que é a chave.

A resenha não é um convite ao debate, mas, caso você queira conversar, tô aqui de boa, só não tente enfiar nada goela abaixo, assim como eu não estou tentando te converter. Eu realmente espero ter conseguido explicar o que senti durante a leitura e minha opinião sobre o assunto, mas sem ofender ou ser a "crente de visão tapada". Como leitora, claro que recomendo a leitura. Como cristã, só recomendo se você tiver uma opinião bem embasada e sem preconceito, sabendo que pessoas são amadas por Jesus independente de O conhecerem ou não. Como pessoa, sou a favor do respeito incondicional. Decida-se e leia.

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Como eu ganhei o livro do Beijaço e depois recebi outro de ação pela parceria, vou sortear um pra vocês. Me amem! kkkkkkk Regra obrigatória só tem uma: comentar DIREITO na resenha. De resto sejam felizes cumprindo as outras opções pra terem mais chances.



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