{ palava de peso } Cama de Casal


CAMA DE CASAL

Ela estava deitada em sua confortável cama de casal. Apesar de solteira – pra falar a verdade, nem tinha namorado –, gostava do espaço daquele colchão feito para duas pessoas. Ela era uma só, mas precisava de mais. Sempre precisou de mais.
No caso da cama, esse foi um pedido especial pós-15 anos. Sonhava com a tão famosa festa de debutante, com aqueles vestidos dignos de contos de fada, mas ficou com medo de não encontrar um que lhe coubesse. Mesmo com sua mãe insistindo, falando que contrataria uma costureira especialmente para a ocasião, ela preferiu se abster do sonho em prol de sua autoestima. Não iria aguentar se olhar no espelho, sabendo que naquele vestido caberiam pelo menos duas princesas juntas.


Abriu mão da festa, mas pediu uma viagem. Aproveitara-se do fato de aniversariar no meio do ano para ir para o Sul, pois seria frio e ela poderia cobrir todo o seu corpo. Não suportava a ideia de ir para uma cidade litorânea. Camisetas, shorts, biquíni... Argh! Escolheu Gramado, pensando logo nos chocolates, o melhor remédio para suas crises de solidão.

Preferiu viajar sozinha; seria um passo em direção à sua independência. Como era presente de 15 anos, a mãe fez questão de pagar a melhor suíte do hotel. E então ela pôde deliciar-se em um quarto onde tudo fora feito pensando no espaço de duas pessoas: cama, banheira, armário... Que sorte! Ela não precisaria ficar espremida na hora de dormir e ainda poderia descobrir a sensação de imergir em uma banheira de hidromassagem. Foram as melhores noites da sua vida, acompanhada por muitos travesseiros macios, uma lareira que deixava o quarto no clima ideal e, claro, muito chocolate!

Quando voltou, pediu à mãe uma cama igual à do hotel. A sua era de solteiro, comprada quando tinha uns 9 anos, e já era pequena demais pra aninhar o seu corpo generoso. Como ela quase não pedia nada de presente, a mãe nem pensou em dizer não. Ela não dava despesas com roupas, por motivos óbvios; só usava tênis e, quando muito, sapatilhas, pra esconder o pé “inchado” e pra não machucá-lo equilibrando tanto peso sobre um salto; não via razão para ter bijuterias, pois ficariam perdidas no meio dos fartos seios e das inúmeras dobrinhas... E aquele foi o melhor presente do ano.

A cama parecia ter braços, agarrando-a confortavelmente, acariciando sua pele, fazendo cafuné antes de dormir. Era o seu refúgio quando se sentia triste, sozinha, decepcionada, amarga. Era o palco das conversas com sua melhor amiga, da troca de confidências sobre planos, sonhos e fofocas. A cama não deixava de ser sua amiga, pois, muitas vezes, testemunhava e recebia as lágrimas silenciosas de desilusão.

Mas, acima de tudo, aquela cama era a materialização da sua esperança de um dia ter alguém com quem dividir o colchão. Um namorado pra assistir a um filminho na tarde chuvosa, um noivo pra ajudar a escolher a roupa de cama pro enxoval, um marido pra aconchegá-la em seus braços depois de um dia cansativo.

Sempre precisou de mais, mas nem tudo lhe era dado. Ela precisava de mais atenção, de mais carinho, de mais valorização. Ela precisava de mais amigos, mais amores correspondidos, mais sorrisos à sua volta. Ela precisava de mais felicidade, mais amor próprio, mais maturidade. Mas não podia ter tudo que queria. Era muito nova pra dar valor ao que tinha e, principalmente, ao que era. Ainda sofreria muitas decepções até tomar uma decisão definitiva.

Por enquanto, limitava-se a esperar o fim do dia para encontrar aqueles metros quadrados de proteção e conforto imensuráveis: sua cama. Macia, confortável, espaçosa.

10 comentários

  1. Adorei o texto, concordo quando é mencionado que ela é nova , ainda vai aprender a priorizar e valorizar muitas coisas, e sua cama se torna seu refúgio para esconder muitos de seus medos e vergonha. Perfeito texto. beijos

    Joyce
    www.livrosencantos.com

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  2. Olá, Giulia. Que texto lindo, como você não colocou ~créditos presumo que é de sua autoria. Muitas vezes quando escrevemos textos assim eles vem para expressar como nos sentimos em alguma situação. Caso esse seja o caso, espero que você tenha superado seus medos e vergonhas, e até deixado de lado toda essa repressão consiga mesma. Mas mesmo se não for, é uma ótima reflexão para qualquer mulher, pois todas nós temos alguma vergonha em relação ao nosso corpo e sempre vale o amadurecimento que vem com o passar dos anos. Beijos.

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  3. Oi Giu,
    Adorei as palavras, acredito que por estar tão bem escrito, seja seu!
    Acho que a cama tem uma função dicotome, ao mesmo tempo que abraça, envolve e protege, aprisiona, suga, suprime os sonhos, a torna dependente.
    Viajei? E amo minha cama, minha confidente! Que nos libertemos dessa prisão psicológica que se chama: opinião dos outros!
    Beijos
    Chrys Audi
    Blog Todas as coisas do meu mundo

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  4. Oi Giu, sua linda, tudo bem?
    Acho que para tudo na vida, infelizmente, estamos sempre querendo a aprovação de alguém. Nos sentir bem, ser feliz, depende de alguém permitir que a gente se sinta bem, ou seja feliz. Porque alguém tem que se sentir mal com seu próprio corpo? Quem lhe ensinou isso? Ninguém nasceu com essa ideia na cabeça. Alguém, em algum momento, nos convenceu de que existe algo errado em ser quem somos. E isso é errado!!! De coração, torço para que ninguém, nunca mais, entregue o poder da sua felicidade, da sua autoestima na mão de outra pessoa. Se gostarmos de nós mesmos, os outros vão enxergar nosso brilho e vão gostar também. Entendo que a cama é um lugar seguro, um refúgio. É importante termos um lugar para onde ir. Mas não podemos fazer dele um lugar fixo.
    Gostei muito do texto.
    beijinhos.
    cila.

    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/

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  5. Giu, que texto bem escrito, como estou acostumada a ler suas resenhas, imagino que tenha sido escrito por você. Com certeza a cama é um lugar seguro, que nos abraça, e nos deixa confortável, aceitando nossas lágrimas sem nos questionar ou nos reprimir. Mas acredito que seja apenas um lugar para derramar nossas frustrações e não resolve-las. Então espero que com o tempo a "personagem" possa amadurecer e enxergar o valor de tudo que está a sua volta. E principalmente entender que as situações estão aí para serem resolvidas e nos deixar mais fortes.

    Bjs, Glaucia.
    www.maisquelivros.com

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  6. Oi Giu...
    Eu sempre tive vontade de ter uma cama de casal porque sou bem espaçosa kkkk. As vezes é meio complicado nos aceitar como somos ainda mais nessa idade em que queremos ser aceitas e amadas, mas nem sempre as coisas caminham para onde queremos ir. Eu era muito fechada... na minha adolescência... e já era um pouco fofinha e sim as vezes tinha vergonha de ir para a piscina ou ficar nua na frente de minha amigas magrinhas e com tudo no lugar. Mesmo assim eu dançava e fazia capoeira e isso me preenchia de alguma forma... quando fui para a frente do espetáculo... todo mundo olhou para mim sobressaltados... não esperavam uma gordinha na frente e no fim foi tão bom que ganhamos o prêmio... fiz um solo contemporâneo, mas ensaiei dias e dias para chegar onde cheguei, depois disso passei a olhar melhor pra mim... adorei o seu texto minha flor, parece que você esteve na minha mente quando eu era adolescente rs. Xero!

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  7. Oi Giu, tudo bem? Que texto maravilhoso, imagino que seja seu... eu adorei!!

    Sempre quis ter uma cama de casal, e admito que em vários momentos, ela é a nossa melhor amiga, um lugar que nós sabemos que sempre estará lá para nós. Já passei por essa sensação, não por ser gordinha já que na maior parte da minha infância e adolescência sempre fui magra, mas essa sensação de não se sentir bem com o próprio corpo.

    Adorei o texto!! Escreva mais textos pessoais, pois eles são ótimos!!

    Beijinhos,

    Rafa // Vamos Falar de Livros?

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  8. Olá

    Primeiramente, adorei o texto e parabéns por desenvolve-lo (acho que é de sua autoria haha). O tema retratado de certa me emocionou e me lembrou de algumas amigas que passam por algumas das situações mencionadas. A sua protagonista parece ter segurança sobre si mesma e ao mesmo tempo não ter, o que é bastante natural e verossímil. Gostei do desenvolvimento dado e a forma como ela consegue um de seus objetivos que era ter uma cama onde pudesse ficar confortável e sonhar ao mesmo tempo. Um pouco triste essa parte, confesso. Parabéns mais uma vez e espero ver mais desses por aqui.

    Abraço!
    www.umomt.com

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  9. Oi Giulia!
    Adorei seu texto. Sinto que minha cama me abraça toda noite e não quer me soltar mais. Enfim, gostei muito e espero ler mais textos escritos por você.
    Abraços

    www.estantejovem.com.br

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  10. Meus quinze anos... é essa a idade em que me lembro de ter tido minhas primeiras realizações e frustrações. Minha mãe perguntou se eu queria uma festa ou uma viagem, escolhi a viagem, e o que ganhei? A festa. Ela era frustrada por não ter tido uma festa, e fez questão de fazer uma para mim. Detalhe: cheguei duas horas atrasada, por muito pouco não apareci por lá. Mas também é a idade com que me apaixonei pela primeira vez, então não foi um ano tão ruim assim. Nessa idade, eu não tinha problemas com meu corpo, isso veio depois, e só por causa de gente sem noção, pessoas que pareciam ter como objetivo fazer os outros infelizes. Ainda bem que isso passou.

    Beijo.

    Ju - Entre Palcos e Livros

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